Dança da Fita: história e tradição

Atualizado em: 28 de abril de 2020

A dança foi surgindo por meio de gestos e sons, muito antes do que podemos chamar de palavras. As danças tendiam à união cósmica, isto é, relacionavam-se com o cosmos, o universo. É assim que podemos entender o processo de desenvolvimento da dança que auxiliou – e auxilia – o homem na expressão e no conhecimento da natureza e da cultura, da divindade e das questões religiosas. Todas as danças foram se tornando cênicas, isto é, passaram a ser apresentadas ao público com uma função diferente daquela de adorar os deuses ou a natureza.

É muito importante lembrar que a dança não é apenas feita de movimento ou do corpo. Valerie Preston-Dunlop é uma referência quando nos fala de quatro elementos fundamentais, que em conexão, formam a dança. São eles: movimento, espaço, som e corpo. Qualquer pessoa que dança, seja ela profissional ou não, faz essa conexão dos quatro elementos. A dança é uma relação entre o movimento, o espaço, o som e o corpo. Não há dança – qualquer que seja – sem essa relação. Se você dança em uma cadeira, na sala com luz natural ou é fim de tarde, com uma calça jeans, e faz sons batendo no corpo, na cadeira, em si mesmo, pronto, aí está a relação. A integração e não apenas uma soma deles é que gera a sua dança, a sua produção de conhecimento em dança.

A Dança da Fita, por ser uma dança folclórica, também não se difere disso. A manifestação milenar de origem europeia, foi trazida pelos imigrantes ao Brasil pela região sul do país. Possui o significado de reverenciar a árvore, que após a época de inverno anuncia o prenúncio da primavera. Já as fitas têm o significado do renascimento das árvores.

A Dança da Fita é conduzida por um par guia o qual faz parte o Mestre Leão, que é um dos personagens da dança e a Senhora Dona Mestra, outra parte importante da dança. Antes de iniciarem a dança, o trovador pede ao dono da casa, que lhe dê a licença para dançarem o “Pau de fitas” em seu terreiro (casa). Este modo foi como a dança se desenvolveu entre os gaúchos, porém cada região fez suas modificações, com detalhes peculiares.

Para a dança ser realizada é utilizado um mastro de aproximadamente três metros, com o diâmetro de quatro centímetros, que será segurado por alguém ao centro, em sua ponta são penduradas fitas coloridas de mais ou menos quatro metros de comprimento e de um a dois centímetros de largura, que serão utilizadas para as evoluções da dança. Os dançarinos se dispõem em círculos cada um com suas respectivas fitas onde irão fazer os movimentos trançando-as.

No Rio Grande do Sul os trançamentos recebem os nomes: “Trama”, “Trança”, “Rede de Pescador”. Em Santa Catarina há o “Tramadinho”, “Trenzinho”, “Zigue-Zague”, “Zigue-Zague a dois”, “Feiticeira” e “Rede de Pescador.

 

Dança da Fita em Ubatuba

Grupo de Dança da Fita do Itaguá – Foto: Paulo Zumbi

Grupo de Dança da Fita do Itaguá – Foto: Paulo Zumbi

Entre 1920 e 1930, alguns moradores de Ubatuba se deslocavam até o porto de Santos em grandes canoas – chamadas de voga – para comercializar produtos, e muitas vezes ficavam por lá durante uma semana ou mais. No porto se encontravam com pessoas que vinham da região sul e dançavam uma dança que continha fitas. Amarravam bambus, as fitas, e dançavam de noite ou à tarde.

O Sr. João Vitório, um dos mestres canoeiros, era um pescador famoso do bairro da enseada, que fazia muito essas viagens para Santos. Lá, em contato com os sulistas, aprendeu a Dança da Fita junto com seus companheiros e trouxeram-na para a praia da Enseada.

A dança original é feita com seis homens e seis mulheres, mas como não tinham moças para dançar, colocavam os rapazes caracterizados de damas para dar o número certo de pares, só que ninguém sabia quem eram os rapazes, e uma pessoa segurava o mastro para os outros trançarem as fitas.

Moradores do bairro Itaguá e das Toninhas costumavam ir nas festas que aconteciam na Enseada. Dentre essas pessoas estava, Joaquim Filho, das Toninhas, Benedito Corrêa Leite, do Itaguá e Juraci Amaro dos Santos, também do Itaguá. Fizeram um grupo, aprenderam a dançar e levaram-na para o Itaguá entre 1940 e 1950, enquanto na Enseada a dança entrava em hiato. De 1950 em diante começaram a se apresentar na igreja do Itaguá, nas festas juninas, e nas casas, com as músicas dos festivais de São João, São Pedro e Santo Antônio.

Durante um tempo, a Dança da Fita ficou quase que esquecida, porém, na década de 1980, a catequista da igreja do Itaguá, Lucia dos Santos, leu algo a respeito e combinou com as crianças da catequese a revitalização da dança. Passado um tempo, a FundArt, com Sidnei Martins Lemos, folclorista bastante conhecido em Ubatuba, que veio de São José dos Campos com dezesseis anos, novamente deu vida a dança. Nei Martins, como era conhecido, trabalhava na FundArt na parte de cultura popular, e um dia após assistir a uma apresentação da dança, acabou se entusiasmando com a ideia de fortalecê-la. Realizou uma pesquisa sobre a Dança da Fita e chamou Benedito Raposo para ser o mestre, por já ter dançado quando era mais moço, e também o filho dele, Haroldo, que ficou como mestre simbólico da dança. Os ensaios então começaram e com a confecção de um mastro, escolheram as cores da fita. Foi chamado os mais velhos, que eram jovens quando a dança começou. As apresentações recomeçaram na igreja, nas escolas, nas festas da cidade, e também receberam convites para comparecerem em diversas festas da região, como em São Sebastião, Ilhabela, Vale do Paraíba e São José dos Campos.

Grupo de Dança da Fita do Itaguá – Foto: Paulo Zumbi

Um novo formato foi criado por eles. Um mastro de fita chamado pau de fita foi feito, só que agora com 12 fitas, duas de cada cor, cada par com a mesma cor. Antigamente só era usado duas cores para as tranças. A mudança foi feita, porque um novo entendimento foi criado. As árvores não têm só duas cores, verde e amarelo. Há também as cores dos frutos, as cores das folhas, por isso começou a se utilizar diversas cores, seis no total, cada uma pra cada par.

A Dança começa com o filão de lenço, que é quando os casais vão pro mastro, o mestre então solta o som do apito e cada casal pega a fita que corresponde a cor de sua roupa, isso significa o preparo da terra, a aração da terra, pra depois a semente ser plantada. Depois que todos pegam a fita os casais se juntam no meio do mastro e juntam suas fitas, isso significa a escolha da semente que vai ser plantada. Após a escolha da semente, começa-se a trançar a fita no mastro, isso significa que a semente está começando a germinar. Depois que as árvores dão os frutos, são destrançadas as fitas. A primavera está acabando, e na época da colheita, as fitas vão sendo destrançadas e a colheita vai sendo feita e os galhos ficando sem folhas. Quando termina de destrançar é quando as árvores deram frutos e caíram suas folhas. Começa então a hibernar no inverno, para no começo da primavera dar frutos novamente.

Pouco tempo atrás havia muitas crianças que dançavam, os adultos faziam as tranças, e as crianças destrançavam. As crianças significam o resultado do processo, ou seja, as flores os frutos e as folhas.

“Hoje em dia, poucas vezes saímos para dançar. Vamos nas festas que a FundArt organiza, como a festa de São Pedro e a Caiçarada. Também participamos da Festa do Itaguá e do Festival do Camarão da Almada, no máximo dançamos umas seis vezes por ano. Não temos mais as crianças, não querem participar pois pensam que estão pagando mico, que os amigos vão tirar sarro. Então continua só os mais antigos” conta Élvio Damasio.

Élvio também nos conta que o grupo não tem muito tempo para ensaiar por terem que cuidar da família, e também por morarem longe um do outro.

Hoje o grupo da Dança da Fita conta com treze integrantes, são eles: Élvio Damasio, André Damasio, Alex Damasio, Jairo de Araujo, Mario Ricardo de Oliveira, Divanio Boje, Marcos Vinicius, Roseli Damasio, Marilia Corrêa Leite, Estela Corrêa Leite, Diana Aparecida, Valéia Maquiama, Larissa Corrêa Leite.

 

 

 

 

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