Publicado em: 12 de fevereiro de 2019
Um pouco de sua história…
Pedro Paulo Teixeira Pinto
O Carnaval é a maior festa popular do Brasil e constitui história de vasto painel, rico e interessantíssimo, a espelhar nuances do nosso patrimônio histórico, cultural, imaterial…Em Ubatuba não poderia ser diferente, quando as cores locais de nossa cultura identitária se expressam vivamente para mostrar a nossa “cara”. Aqui, um pouco daquilo que se passa por terra e mar.
Os antigos carnavais de Ubatuba contavam com folguedos como a Dança da Fita, que ocupava ruas, praças e quintais; o desfile de bois (bumbá), com suas disputas no final da folia; os Mascarados que corriam atrás da criançada provocando reboliço; os Blocos de Enredo, com suas músicas próprias e os Gigantes de Cortejo (bonecões) que eram também atrações, destacando-se o conhecido casal, Maria Angu e João Paulino, que até hoje estão entre nós nas brincadeiras coloridas.
Tudo acontecia na rua, palco natural das manifestações da cultura popular. O encontro lúdico coletivo animava e alegrava o povo, como hoje, Brasil a fora. Não havia, como agora, influência dos meios de comunicação de massa e de turistas. Éramos uma comunidade espelho de si mesma, pode-se dizer.
Compositores, músicos, se destacavam, como Adolphinho, do bloco Turunas do qual fazia parte a saudosa dona Ophélia, “A Seresteira de Ubatuba”, já consagrada como “Foliã Símbolo do Carnaval de Ubatuba”. Lindolpho era um músico que tocava o que lhe caísse nas mãos. Tinha o chamado ouvido absoluto.
Os Mascarados, mais tarde foram proibidos pela Ditadura Militar de 1964, que alegou questão de segurança, pois atrás de uma máscara poderia estar um criminoso. Em Ubatuba tivemos dois “mascareiros” (criadores e fazedores de máscaras) famosos, que foram, seu “Manequinho” de Souza e o Pimenta. Eles faziam suas formas em madeira ou barro e com papel, jornal principalmente, davam formato às mascaras, usando também cola na confecção das mesmas. Muitas vezes usava-se cabaça cortada ao meio.
Os chamados mestres de bois eram bem conhecidos, como o Veiga, o João Albado e seu Boi Carvão, o Emílio Roque. O mesmo acontecia com os líderes de blocos de enredo. Nezinho era um deles, inventor do famoso Bloco do Saco. Os foliões se metiam em sacos de estopa portando máscaras. Tinha o Fio de Ouro, do Itaguá. O Bloco do “Arcidão”, do Perequê Açu, do Miguel Ageu, da cidade. Na década de 1970 aparece o Boi Dourado, concebido pelo pintor primitivista, da terra, João Teixeira Leite. Depois vem o Boi Queima-Rosca, do Clementino Soares, que escandalizou os puritanos de plantão.
É desse boi que se conta a história do Ataliba, o animador do boi. Até então com grande desenvoltura em suas evoluções, de repente o boi se deitou na avenida e ali ficou imóvel. Suspense na plateia. Ataliba fora acometido de forte desarranjo intestinal. Feito o serviço, ato contínuo, o boi se levantou e um menino, exclamou admirado à sua mãe: “o boi cagô!!!” E “Queima-rosca” prosseguiu, para cumprir sua carnavalesca sina.
A escassez de registros dessa festa é devida, também, ao fato de Ubatuba, naquela época, viver um período de isolamento que durou vários anos. A música adotada, a bel prazer, como hino oficial do município tem como título, Ubatuba, Sim! E foi composta pelo saudoso professor Francisco Gomes, do Conservatório Musical de São Paulo, que um dia construiu casa aqui, para onde vinha em férias. Parte da letra diz assim: Eu amo Ubatuba assim como ela é/Sozinha, isolada, só com sua fé”…
As Escolas de Samba
Na década de 1970 as manifestações típicas de nosso carnaval perdem terreno para as escolas de samba. Ney Martins lidera a criação do Grêmio Recreativo e Escola de Samba Mocidade Alegre do Itaguá, ligada ao Esporte Clube Itaguá, cujo presidente era Fiovo Frediani. Ney era o carnavalesco, figurinista e mestre de bateria. Em seguida é a vez da Escola de Samba Brasília, também agregada ao clube de futebol, Brasília Atlético Clube. Dona Eliza, a saudosa Dalva, e Moacir, entre outros, eram diretores do BAC e lideravam a nova escola. Na sequência surge a Verde Rosa, de uma dissidência da Brasília. Em 1998 dá-se o último desfile das escolas: Perequê-açu, Unidos do Ipiranguinha, Império da Estufa e Mocidade Alegre do Itaguá fecharam o ciclo.
É preciso aqui, destacar a figura criativa e empreendedora do saudoso Ney Martins, cujos trabalhos na valorização da cultura caiçara, no incentivo ao carnaval e na organização do futebol, são merecedores do nosso melhor reconhecimento.
Pirão Geral- O Boi de Conchas
Em bom momento Bado Todão, escritor e ator, abriu o sebo Café Bambu de Vez, estopim do movimento cultural Pirão Geral, que reunia pessoas de práticas artísticas as mais variadas. Nasce daí o mais novo boi de Ubatuba, o Boi de Conchas, criação de Julinho Mendes, trazendo junto uma lenda de sua autoria. Viciado em mar, em lugar de pelo, seu boi é recoberto de conchas. Faz fama e é referência para diversas manifestações artísticas da cidade.
Professor de matemática e agrimensor, Julinho Mendes é multiartista e encarna o espírito brincante do carnaval, da cultura caiçara e da cultura popular em geral. Com ele foi que interagimos para reunir estas breves memórias.
O Festival de Marchinhas Carnavalescas
Em 2004 desponta o Grupo Folclórico e Alegórico Guaruçá, com Julinho Mendes à frente e remanescentes do Pirão Geral: Marisa Muniz, Marisa Taguada, Aninha Fernandes e outros, formando um grande bloco, marchinha própria, todos fantasiados de guaruçá. O grande sucesso e criatividade despertou o entusiasmo de Ney Martins, então Diretor Cultural da Fundart, que falou com Julinho sobre a ideia de se realizar um festival de marchinhas carnavalescas, que chega até hoje prestes a completar 14 anos de êxito. “Valeu eu ter forçado a barra o tempotodo”, relata Julinho, com satisfação.
O Festival de Marchinhas Carnavalescas de Ubatuba acontece no coreto da praça da Matriz, a partir de sua terceira edição, e ali se firmou. Foi buscar sua inspiração num dos maiores ícones do carnaval brasileiro, as marchinhas. Vem revelando compositores daqui e de fora e se constituindo numa rica composição de crônicas da cidade e de outros temas, com amor, humor, ironia, bendizer, maldizer, lembrando as cantigas próprias da Idade Média, dá pra arriscar, num carnaval identitário de tempero caracteristicamente familiar.
Na sequência do Festival de Marchinhas acontece, na mesma praça, a partir do coreto, o Baile de Marchinhas, também promovido pela Fundart, que complementa o carnaval, em clima familiar de muita animação. “A chamada praça da matriz, foi adotada como sede do evento, considerando que grande parte das cidades brasileiras iniciaram o processo de urbanização a começar daí, e que se guarda no inconsciente coletivo do ponto de vista da memória histórica”, disse Pedro Paulo, presidente da Fundart.
Cuscuz do Patto – Galinha – O Bonde Marchinhas
Na esteira do Festival de Marchinhas da Fundart e Prefeitura, aparece o Cuscuz do Patto, “bloco que concentra mas não sai”, com marchinha composta por mim e pelo Arimatéia, o Patto Loko. É o único da região que estende o carnaval de Ubatuba até Quarta-feira de Cinzas… Coube à Sussuca, filha do Nezinho, do antigo Bloco do Saco, criar o Bloco da Galinha, que há cinco anos vem ciscando nas ruas do centro histórico. Outro bloco, inspirado no Festival de Marchinhas, é o Bonde Marchinhas, que se traduz por: bom de marchinhas, criado por compositores premiados do citado festival: Ana Cláudia e Maria Lúcia Gil, Julinho Mendes, Paulo Motta mais o Zeca Ribeiro foram seus criadores.
Caxorrada – Galo da Meia Noite – Lambe-lambe
Tradição de décadas, o Bloco da Caxorrada (escrito com x), onde homem é mulher e mulher é homem, cresce a cada ano. Suas marcas são: o deboche, a molecagem, a gozação, o despudor e boas doses do mais puro escracho. Giba, Vital, Richardão, Canabrava, Geraldinho e o saudoso Daíco, entre outros, foram seus criadores. O Galo da Meia Noite é outro bloco de sucesso e já faz tradição. Deixa sua concentração no Perequê-Açu, à meia noite, e muita cerveja “amamenta” seus inúmeros foliões durante todo o percurso. Fabinho Rossi e Alexandre Archanjo, destacam-se entre seus organizadores. Tem ainda o Lambe-lambe, bloco carregado pelo animado Damião e amigos, que vai levando em frente sua meta de sempre alegrar seus muitos participantes.
Contado assim, o Carnaval de Ubatuba conserva marcas históricas de sua identidade, tocado e cantado no centro histórico (Praça da Matriz) onde sempre são homenageadas figuras do passado e presente, como neste 2019, quando a Prefeitura e a Fundart estarão homenageando Élvio Damásio, mestre da Dança da Fita, figura indispensável em qualquer cenário em que se reproduz a cultura caiçara.
Desde seu passado mais remoto o carnaval de Ubatuba vem sendo brincado, pela nossa população. Os turistas que se agregam à nossa folia não representam número significativo a ponto de alterar suas características vitais.