Publicado em: 9 de novembro de 2016 | Última atualização em: 3 de janeiro de 2017
O tempo é mesmo um mistério! Parece que foi ontem que um grupo de ubatubanos deu vida a objetos inanimados produzidos em metal, couro, madeira, sementes, rochas que, em forma de membranas, tubos cônicos, cilíndricos tornaram-se capazes de captar um mundo exterior e exteriorizar um mundo interior.
Parece que foi ontem, mas cronologicamente a certidão da Banda lira padre Anchieta registra como 11 de novembro de 1960 a data de seu nascimento, portanto há 56 anos. O tempo tem provado que essa foi uma semente plantada com muito amor, por mãos muito especiais e o florescer, qualidade daquilo que só se conjuga se tem vida, é apenas uma ação reflexa.
Parece que foi ontem, e a saudade, palavra que só se conhece em nosso idioma, bate mais forte em determinados momentos. Saudade daquelas mãos que sonharam, deram vida ao sonho e sobretudo cuidaram dele como algo novo, que nasce todo dia, que não pode ser substituído por um diferencial de mercado. A intensidade da batida as vezes como fenômeno acústico não é tão bem percebida, mas ela é ritmo, é movimento continuo, ora ordenado, ora caótico, ou seja, é vida em toda sua totalidade. A história, ciência que tem como missão cuidar não do passado e sim daquilo que precisa ser conhecido no presente é a protetora dessa saudade, que não significa aqui dor, perda e sim, alegria, gratidão, sobretudo certeza de um presente pulsando feliz.
Parece que foi ontem, ao som de valsas, dobrados, sambas, choros, schotish, oratórios, que a comunidade se reuniu pela primeira vez em torno de sua banda, em praça pública no coração da Vila de Iperoig. Vestidos a caráter, os 22 músicos com uma ingenuidade pueril escreveram em acordes uma parte significativa da história de nossa cidade, carregada de valores imateriais. Não eram músicos de sucesso, não conheciam a palavra show, nenhum estudou na França ou mesmo nas escolas de arte brasileira, eram pessoas simples, pedreiros, motoristas, zeladores, comerciantes, porém dotados de um saber difícil de explicar até mesmo por aqueles que dominam a arte da retórica e do pensamento acadêmico.
Parece que foi ontem, então qual razão do esforço retórico, ou acadêmico para falar de uma Banda de música, pois, é isso que é a Lira Padre Anchieta. Qual o valor de algo que não pode ser mensurado por um raciocínio contábil e que, portanto, não pode ser apropriado, útil, nem tão pouco gerar lucro. Porque o esforço para teorizar sobre a razão, importância, etc.
Parece que foi ontem, hoje, agora, na sociedade de consumo na sociedade do espetáculo, do monopólio da aparência onde tudo é descartável, onde se dorme de olho aberto, onde tudo é ajustado, ou desajustado onde a cultura tem mais o papel de controlar nossa subjetividade e psique, onde tudo parece tão cinza, eis que ficamos a pensar: que mundo maravilhoso. Assim segue a Lira e como diria Pixinguinha “deixa pra lá” o melhor é viver, o melhor é amar, é querer bem, é acreditar, seja curtindo Anacleto, Carlos cachaça, Gonzagão, Montiverdi, João da Baiana, Anacleto, Ataulfo, James Brown, Louis Armstrong, Stevie Wonder, Carlos Gomes, Chiquinha Gonzaga, Ariana Grande ou Clementina de Jesus.
Parece que foi ontem. Hoje ficou claro que a experiência não é de quem pinta a tela, conta os versos, tange as cordas, a experiência é de quem capta energia, energia em forma de som, luz e cores, ao passo que o expectador muda de lado, e aquela separação produzida pela incapacidade de compreender o todo vai se diluindo fazendo surgir um relacionamento, elemento que uni as pessoas, que é adquirido não pela oferta, mas pelo contrário, é disseminado pela essência da vida. Depois de tantos aplausos, vaias, críticas, elogios, rejeição, acolhimento, a aceitação de todos os momentos vai se tornando franca, sincera e, enfim uma Banda descobre que sua missão não é tocar, é ouvir e o ouvir é a chave para o diálogo, portanto não é o discurso é o bate-papo. Há muito que conversar, muito que entender.
Parabéns Banda Lira Padre Anchieta!
Texto: Amarildo Da Hora.